EMPREGADO
DEPENDENTE QÚIMICO
Postado por Leonardo Amorim em
12/03/2012 13:42
Se, por um lado, o empregador tem o direito de dispensar o
empregado imotivadamente, por outro, o Judiciário tem o dever de reprimir atos
abusivos ou discriminatórios no âmbito da relação de emprego. Cabe ao juiz
analisar cada caso com sensibilidade, observando as nuances e sutilezas, a fim
de alcançar a solução mais justa no caso concreto. A reflexão foi feita pela
juíza Ângela Castilho Rogedo Ribeiro, titular da Vara do Trabalho de Ponte
Nova, ao julgar o caso de um viciado em crack, dispensado por justa causa, sob
a alegação de abandono de emprego. No entendimento da magistrada, a dispensa
foi discriminatória.
A reclamada alegou que não sabia que o reclamante era dependente
químico e que a justa causa foi aplicada porque ele abandonou o emprego. Mas a
tese não convenceu a julgadora. Aplicando o princípio da continuidade da
relação de emprego, ela explicou que o empregador deve provar de forma
inequívoca que o término do contrato se deu por iniciativa do empregado ou em
razão de falta grave por ele cometida. No caso do processo, a ré não conseguiu
provar a falta grave. É que o reclamante não chegou a faltar ao emprego por 30
dias corridos, nem demonstrou intenção de deixar o emprego. Como observou a
magistrada, a própria reclamada admitiu que o reclamante compareceu poucos dias
antes da dispensa para dizer que estava com problemas particulares, sem
previsão de retorno ao trabalho. Isso demonstra que ele não tinha a intenção de
deixar o emprego. Por essa razão, a juíza sentenciante decidiu declarar nula a justa
causa aplicada.
Após analisar as provas com a cautela que o caso merece, a
magistrada se convenceu ainda de que a dispensa foi discriminatória. Ela
constatou facilmente, pela aparência do reclamante na audiência, que se tratava
de um dependente químico. "Dos atestados médicos juntados, depreende-se
que o autor é viciado em substância psicoativa, o que, registro, é visível aos
olhos de qualquer pessoa leiga de bom senso", fez constar na sentença.
Para a juíza, ficou evidente que as faltas ao trabalho tinham relação direta
com o vício. Prova em sentido contrário deveria ter sido apresentada pela
empresa, mas não foi. A total frieza e indiferença demonstradas pela reclamada
na audiência de instrução, diante da triste situação do reclamante, também
chamaram a atenção da magistrada. Uma atitude que ela classificou como
reprovável e lamentável. A conduta revelou uma discriminação velada. "Uma
das piores formas de discriminação é a indiferença", registrou.
Para a julgadora, a empregadora não poderia simplesmente descartar
o trabalhador do seu empreendimento, ignorando seu estado de saúde. Ao agir
assim, deixou de cumprir sua função social. "A reclamada simplesmente
fechou os olhos à realidade de seu empregado e o lançou à própria sorte,
esquecendo-se de que toda e qualquer empresa deve observância ao princípio da
função social, segundo o qual a empresa não é apenas fonte de lucro, mas também
fonte de práticas sociais que favoreçam o meio no qual está inserida",
frisou.
A magistrada também relembrou que, infelizmente, as discriminações
veladas são uma realidade nas relações de trabalho. Dentre suas vítimas,
destacou os portadores de HIV, os portadores de deficiência e aqueles que, de
alguma forma, tiveram sua força de trabalho diminuída por alguma doença ou patologia.
Nesse último grupo, incluiu os conhecidos "viciados em drogas". A
juíza sentenciante registrou que a discriminação persiste porque ainda
prevalece a ideia, ou preconceito, de que o viciado apresenta um desvio de
caráter. Mas isso vem mudando, segundo ela, e, aos poucos, a questão passa a
ser tratada como a doença que de fato é, um problema de saúde pública. A
julgadora ponderou que se se tratasse, simplesmente, de "desvio de
caráter" o Estado não teria excluído a pena privativa de liberdade para os
usuários de drogas.
"Considerada a ordem constitucional vigente - que consagra o
ser humano como o principal destinatário da ordem jurídica, impõe-se a adoção -
por parte de todos o integrantes da coletividade - de toda e qualquer medida
capaz de impedir que um ser humano acresça a escória da humanidade. Neste
intuito, o papel das empresas é de extrema relevância, porque é fácil
vislumbrar que, estando desempregado, o dependente químico tem maior
probabilidade de ceder ao vício, lançando-se às margens da cidadania",
registrou a juíza.
Por fim, a magistrada frisou que a vida e a integridade física são
os bens supremos das pessoas. Por isso, a responsabilidade da empresa em
relação ao usuário de crack, caso do processo, é objetiva, ou seja, pouco
importa que a reclamada soubesse ou não do vício do empregado. E fez uma analogia: "Assim
como a empregada gestante tem estabilidade no emprego desde a concepção até 05
meses após o parto, independentemente de o empregador ter ou não conhecimento
da gravidez - tudo em prol da proteção à vida, também o empregado viciado em
crack possui o direito de não ter seu contrato de trabalho extinto durante todo
o período que se fizer necessário para a sua recuperação".
Com esses fundamentos, a sentença determinou a reintegração
do reclamante, em função compatível com sua atual condição, e, após a
reintegração, o encaminhamento ao INSS para o devido tratamento. A empresa não
recorreu da decisão.
(grifo do editor)
(nº 00351-2011-074-03-00-1)
Tribunal Regional do Trabalho da
3a. Região