ORDENAMENTO CONTÁBIL BRASILEIRO
Postado por Leonardo Amorim em
23/09/2011 15:16
Parecer de Orientação CVM nº 37, de 22/09/2011 (DOU 1 de
23/09/2011) Recepção dos conceitos de representação verdadeira e apropriada
(true and fair view) e da primazia da essência sobre a forma no ordenamento
contábil brasileiro. O ordenamento contábil
trazido a partir da promulgação da Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007,
incorporou diversas inovações à contabilidade brasileira com o intuito de
produzir demonstrações financeiras mais úteis aos investidores e aos demais
usuários externos em seus processos de alocação de recursos. Esse novo
ordenamento, decorrente da adoção das normas internacionais de contabilidade
(IFRS), visa a melhorar a infraestrutura informacional do mercado de capitais
nacional, reduzindo assimetrias. Muitos conceitos
trazidos pelas IFRS não são necessariamente inéditos para a doutrina contábil
brasileira, mas certamente trazem novidade à prática profissional de muitos
contadores e ao ambiente contábil das companhias. Nesse contexto, está sendo
quebrado um paradigma cultural há muito presente em nosso ambiente
econômico-financeiro, segundo o qual os eventos econômicos eram interpretados
e, consequentemente, registrados e mensurados predominantemente conforme sua
forma jurídica. Dois conceitos
inter-relacionados são essenciais para o entendimento dessa nova realidade
contábil: (i) a representação verdadeira e apropriada; e (ii) a primazia da
essência sobre a forma. A contabilidade somente cumprirá sua função essencial
de fornecer informações úteis ao processo de tomada de decisão de seus
usuários se refletir verdadeiramente a realidade econômica subjacente. Para
que essa representação apropriada (true
and fair view) possa ser alcançada, é importante observar a primazia da
essência econômica sobre a forma jurídica dos eventos econômicos. Dessa forma, com a
mudança iniciada com a edição da Lei nº 11.638, de 2007, resgata-se a característica
fundamental das demonstrações contábeis, que devem representar fidedignamente
a realidade dos efeitos econômicos das transações, independentemente do seu
tratamento jurídico. Nesse sentido
estabelece o Pronunciamento Conceitual Básico do Comitê de Pronunciamentos
Contábeis (CPC), aprovado pela Deliberação CVM nº 539, de 14 de março de
2008: "33. Para ser
confiável, a informação deve representar adequadamente as transações e outros
eventos que ela diz representar. Assim, por exemplo, o balanço patrimonial
numa determinada data deve representar adequadamente as transações e outros
eventos que resultam em ativos, passivos e patrimônio líquido da entidade e
que atendam aos critérios de reconhecimento. (...) 35. Para que a
informação represente adequadamente as transações e outros eventos que ela se
propõe a representar, é necessário que essas transações e eventos sejam
contabilizados e apresentados de acordo com a sua substância e realidade
econômica, e não meramente sua forma legal. A essência das transações ou
outros eventos nem sempre é consistente com o que aparenta ser com base na
sua forma legal ou artificialmente produzida. Por exemplo, uma entidade pode
vender um ativo a um terceiro de tal maneira que a documentação indique a
transferência legal da propriedade a esse terceiro; entretanto, poderão
existir acordos que assegurem que a entidade continuará a usufruir os futuros
benefícios econômicos gerados pelo ativo e o recomprará depois de um certo
tempo por um montante que se aproxima do valor original de venda acrescido de
juros de mercado durante esse período. Em tais circunstâncias, reportar a
venda não representaria adequadamente a transação formalizada." A reforma da estrutura
conceitual básica da contabilidade realizada recentemente pelo International Accounting Standards Board
(IASB) que resultou no Pronunciamento sobre o Arcabouço Conceitual relativo
às Demonstrações Financeiras (Conceptual
Framework for Financial Reporting) - em processo de introdução ao
ordenamento brasileiro pelo CPC e pela CVM - em nada altera esse cenário,
apesar da aparente omissão da expressão "essência sobre a forma"
como bem esclarece na Seção de Premissas para Conclusão (Basis for Conclusion) BC3.26: "BC3.26 Substance
over form is not considered a separate component of faithful representation
because it would be redundant. Faithful representation means that
financial information represents the substance of an economic phenomenon
rather than merely representing its legal form. Representing a legal form that
differs from the economic substance of the underlying economic phenomenon
could not result in a faithful representation."1 Como se vê, embora não
haja citação expressa do princípio da essência sobre a forma, seus
fundamentos são alçados a um nível superior, ou seja, o princípio permeia
integralmente o processo de reconhecimento, mensuração e divulgação de
informações contábeis. Assim, as regras
contábeis não devem servir de "escudo" que impeça a representação
verdadeira e apropriada das transações econômicas. Nos raros casos em que a
aplicação de alguma norma (integral ou parcialmente) colida com a
representação adequada da realidade econômica, esta última deve prevalecer,
como dispõe o Pronunciamento Técnico CPC 26 Apresentação das Demonstrações
Contábeis - aprovado pela Deliberação CVM nº 595, de 15 de setembro de 2009: "19. Em
circunstâncias extremamente raras, nas quais a administração vier a concluir
que a conformidade com um requisito de Pronunciamento, Interpretação ou
Orientação conduziria a uma apresentação tão enganosa que entraria em
conflito com o objetivo das demonstrações contábeis estabelecido na Estrutura
Conceitual para a Elaboração e Apresentação das Demonstrações Contábeis, a
entidade não aplicará esse requisito e seguirá o disposto no item 20. Quando a entidade
não aplicar um requisito de Pronunciamento, Interpretação ou Orientação, de
acordo com o item 19, deve divulgar: (a) que a
administração concluiu que as demonstrações contábeis apresentam de forma
apropriada a posição financeira e patrimonial, o desempenho e os fluxos de
caixa da entidade; (b) que aplicou os
Pronunciamentos, Interpretações e Orientações aplicáveis, exceto pela não
aplicação de um requisito específico com o propósito de obter representação
adequada; (c) o título do
Pronunciamento, Interpretação ou Orientação que a entidade não aplicou, a
natureza dessa exceção, incluindo o tratamento que o Pronunciamento,
Interpretação ou Orientação exigiria, a razão pela qual esse tratamento seria
inadequado e entraria em conflito com o objetivo das demonstrações contábeis
estabelecido na Estrutura Conceitual para a Elaboração e Apresentação das
Demonstrações Contábeis e o tratamento efetivamente adotado; e (d) para cada período
apresentado, o impacto financeiro da não aplicação do Pronunciamento,
Interpretação ou Orientação vigente em cada item nas demonstrações contábeis
que teria sido informado caso tivesse sido cumprido o requisito não
aplicado." Constata-se que, nos
itens citados, o normatizador contábil reconhece expressamente que as normas
contábeis devem ser subordinadas aos princípios da representação verdadeira e
apropriada (true and fair view) e
da primazia da essência sobre a forma. Ou seja, não apenas os efeitos
econômicos devem prevalecer sobre a forma, independentemente do tratamento
jurídico, como é imperioso, no novo ordenamento contábil, que a representação
da realidade econômica seja verdadeira e apropriada. Tão imperioso que, mesmo
no caso de conflito com as normas emitidas, a preponderância deve ser da
representação adequada. Estes são os pilares centrais desse novo ordenamento. Este comando é
plenamente coerente com o disposto na Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de
1976, que estabelece em seu art. 176: "Art. 176. Ao fim
de cada exercício social, a diretoria fará elaborar, com base na escrituração
mercantil da companhia, as seguintes demonstrações financeiras, que deverão
exprimir com clareza a situação do patrimônio da companhia e as mutações
ocorridas no exercício:" (grifo nosso) A primazia da essência
sobre a forma como elemento central do processo de preparação de demonstrações
financeiras que representem verdadeira e apropriadamente a realidade
econômica se aplica a todo o processo contábil, na integralidade dos assuntos
cobertos pelas normas. No contexto do mercado de capitais, destaca-se, entre
outras, a questão da classificação dos instrumentos financeiros como passivos
ou instrumentos de capital na representação da realidade econômica das
companhias abertas. Neste tópico, atenção especial deve ser dada à essência
desses instrumentos vis-à-vis as consequências extremamente indesejáveis que
a contabilização inadequada pode gerar para investidores, credores e demais
interessados no desempenho das companhias. Assim, por exemplo, a
obrigação contratual de entregar caixa ou outro ativo financeiro ou de trocar
ativos financeiros ou passivos financeiros com outra entidade em condições
potencialmente desfavoráveis, essencial para a classificação de um
instrumento financeiro como passivo, deve ser analisada levando-se em conta a
essência do instrumento e o tipo de obrigação que este cria, efetivamente,
para a entidade emissora. Da mesma maneira, é sob a primazia da essência
sobre a forma que deve ser analisado o direito incondicional de evitar a
entrega de caixa ou outro ativo financeiro para liquidar uma obrigação
contratual. Isso porque, não subsistindo tal direito, a obrigação atenderá à
definição de passivo financeiro. Pelo exposto acima, os
envolvidos no processo de preparação e auditoria das demonstrações
financeiras devem pautar suas interpretações dos eventos econômicos na plena
aderência da primazia da essência sobre a forma para que as demonstrações
contábeis representem de forma verdadeira e apropriada a realidade econômica
das transações contabilizadas. Aprovado pelo
Colegiado em reunião do dia 20 de setembro de 2011. Nota de Rodapé 1. Em tradução livre: "Substância sobre
a forma não é considerada um componente separado da representação fidedigna
porque seria redundante. A representação fidedigna significa que a informação
financeira representa a substância de um fenômeno econômico ao invés de
meramente representar sua forma jurídica. Representar uma forma legal que
difere da substância econômica do fenômeno subjacente não pode resultar em
representação fidedigna." MARIA HELENA DOS
SANTOS FERNANDES DE SANTANA |
|
|
LLConsulte Soli Deo gloria