ESOCIAL: QUEM NÃO SE COMUNICA, SE TRUMBICA

 

 

Antes  de mergulhar no teor deste artigo, antecipo ao nobre leitor que, independentemente da publicação da documentação técnica completa do E-SOCIAL ainda neste mês (é o que se espera), o que será exposto aqui não deve ser ignorado pelos que verdadeiramente lutam por valores que julgo serem fundamentais ao estado democrático de direito e a ordem institucional que estão no âmago da nossa Carta Magna.

 

E-SOCIAL: Do que estamos tratando? De um mega projeto do governo federal que pretende ser um banco de dados com os registros da vida laboral, dos fatos trabalhistas e previdenciários de todos os trabalhadores e empregadores formalmente registrados no país, e que envolve os seguintes órgãos:

 

 

http://www.esocial.gov.br/doc/ApresentacaoPadraoeSocial.pdf

 

 

O projeto eSocial começou a ganhar mais destaque no ano passado, com a publicação de uma minuta no portal oficial www.esocial.gov.br, em junho, e posteriormente com a primeira versão, amparada pelo Ato Declaratório Executivo Sufis nº 5, de 17 de julho de 2013. Para os menos habituados ao projeto, explico que esse material técnico (sob a sigla de MOS) é fundamental para o desenvolvimento de projetos nos sistemas visando os devidos ajustes internos para aderência ao eSocial. Sem um material homologado, que seja claro, preciso, é impossível fazer com que os atuais sistemas fiquem de acordo com as exigências do projeto.

 

Neste aspecto, a comunicação com todos os interessados é FUNDAMENTAL para que o projeto flua e alcance os objetivos traçados, mas, é exatamente neste ponto, que o eSocial vem sendo prejudicado, e pelos seus próprios gestores.

 

ambém há controvérsia quanto a certas questões que envolvem o modelo operacional e os possíveis impactos negativos no mercado de empresas de software contábil, pelo que está disposto na versão web e a ausência de um marco regulatório sobre a escrituração digital, no âmbito do Poder Legislativo; o Sped, assim como o eSocial, foram pensados apenas no Poder Executivo, o que não combina bem com uma sociedade republicana.

 

Ocorre que a versão 1.0 do MOS (2013) sequer foi submetida a um ambiente de testes. No início deste ano, uma segunda versão (1.1) foi publicada, desta vez amparada pela CIRCULAR Nº 642, de 6 de janeiro de 2014, da Caixa Econômica Federal:

 

 

http://www.esocial.gov.br/ManualAntecipado.aspx

 

Novamente a tentativa de implementar o projeto falhou. A versão 1.1 logo foi descartada.

 

Sem testes e com problemas de comunicação persistentes, o projeto entrou em uma fase de incertezas e o que estava pronto, na prática se mostrou inadequado. Vejamos uma matéria do Ministério do Trabalho e Emprego sobre a questão:

 

eSocial prepara novo Manual de Orientação

 

Brasília,06/06/2014 – As equipes do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Receita Federal, Instituto Nacional de Seguridade Social(INSS) e Caixa Econômica Federal se reuniram nesta sexta-feira (6), em Brasília, para elaboração da próxima versão do Manual de Orientação do eSocial – MOS versão 1.2.

 

O objetivo do novo manual é melhorar a orientação ao contribuinte que irá aderir ao módulo do esocial. Na reunião também foram debatidas formas do sistema ficar mais aderente ao ambiente operacional das empresas, sem abrir mão da aplicação correta da legislação fiscal, trabalhista e previdenciária, unificando os esforços de execução as equipes.

 

O manual vai agregar orientações procedimentais e interpretativas dos órgãos fiscalizadores e reguladores e facilitar a preparação para a fase obrigatória. Para o auditor fiscal do trabalho e coordenador do eSocial no MTE, José Alberto Maia, "espera-se que o manual atenda as necessidades dos usuários da área de recursos humanos, contábil, fiscal e de sistemas, estimulando o trabalho integrado desses profissionais e dos empresários”.

 

Assessoria de Imprensa/MTE

(61) 2031-6537/2430 – acs@mte.gov.br

 

http://portal.mte.gov.br/imprensa/esocial-prepara-novo-manual-de-orientacao.htm

 

 

Neste contexto, em meio às reuniões dos Grupos de Trabalho (GTs), surgiram, através de fontes não oficiais, diversas versões betas, que classifico como apócrifas (por não terem sido assinadas e tampouco publicamente reconhecidas pelos gestores).

 

É fato que essas versões betas 1.2 jamais foram publicadas no site oficial do projeto. Tratavam-se, portanto, apenas de minutas, trabalhos sujeitos a ajustes diversos, algo comum no desenvolvimento de projetos de escrituração pública digital, conforme a experiência adquirida no Sistema Público de Escrituração Digital (Sped).

 

Pergunto: Por que as minutas (leiautes betas) não foram publicadas no www.esocial.gov.br?

 

O que tornou essa questão ainda mais intrigante foi a maior participação de entidades ditas representativas, sem qualquer melhoria significativa na comunicação. CFC e Fenacon se destacaram no processo que se iniciou em maio deste ano.

           

Matéria da Fenacon: http://www.fenacon.org.br/noticias-completas/1852

 

 

E depois de uma série de reuniões, entre muitas especulações, notícias com informações desencontradas, palestras para conscientização, no final de novembro uma coisa parecia estar certa: O MOS 1.2 foi concluído.

 

São Paulo, 28/11/2014,

 

Em palestra realizada ontem, na sede da AMPRO – Associação de Marketing Promocional, em São Paulo, Daniel Belmiro Fontes, Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil e Coordenador do Projeto eSocial, esclareceu diversas dúvidas sobre o projeto eSocial.

 

Comentou, por exemplo, que se a empresa tem conduta de conformidade com as normas legais, ela está começando bem a preparação para o eSocial.

 

Ressaltou, entretanto, que aquelas que não adotam esta conduta, não têm ideia do risco e tamanho do passivo que estará gerando para si. Por fim, complementou dizendo que o cruzamento de informações, por parte dos órgãos governamentais, aumenta a cada dia.

           

Quanto a data de publicação do eSocial informou que dezembro será o mês, tanto da publicação da Portaria que oficializa o manual e seu anexo I (leiautes dos arquivos), como da liberação da área para qualificação dos colaboradores. Complementou a respectiva informação dizendo que o manual (concluído) já está na Casa Civil para aprovação e respectiva publicação.

 

http://www.contabeis.com.br/noticias/21443/esocial-confirmada-para-dezembro2014-publicacao-da-portaria-que-oficializa-a-nova-obrigacao-acessoria/

 

Uma informação que deveria estar em mídias governamentais, e mais uma vez, o que é público ganhou notoriedade e ineditismo através de um evento fechado, e nessa forma de comunicação um tanto quanto estranha, o que será que se passa nas mentes dos gestores? Será que visitarão todos os 5.561 municípios do país para divulgar o projeto, e de preferência, em eventos privados?  Em matéria de comunicação, talvez seja necessário avisa-los que o estado brasileiro não é tão atrasado assim, e dispõe de diversos meios públicos:

 

Diário Oficial da União (DOU)

Portal do eSocial

Portal do Sped

Portal da Receita Federal

Site da Caixa Econômica Federal

Site do Ministério do Trabalho e Emprego

Portal do Planalto (Presidência da República)

Portal da Imprensa Nacional (DOU em versão digital)

Portal do INSS

Diversos canais oficiais de órgãos públicos no Youtube, Facebook, Twitter e demais redes sociais

 

 

 

 

A INSTITUIÇÃO

 

No último dia 12, foi então publicado no DOU o Decreto nº 8.373, de 11/12/2014, instituindo o eSocial e seus comitês, porém sem o cronograma e o anexo tão esperado: o MOS.

 


 


http://www.esocial.gov.br/LancamentoEsocial.aspx

 

 

 

Seis dias depois, surge um dado inusitado: Em 18 de dezembro, às 5h30 na rede Sped Brasil, o Sr. Jorge Campos (moderador) publicou o seguinte:

 

 

http://www.spedbrasil.net/forum/topics/esocial-5

 

 

 

Assim, parece que temos um material supostamente pronto desde o final de novembro e uma afirmação de um respeitadíssimo especialista em Sped de que a “última versão já está com as empresas piloto e entidades”.  Interessante... E mais perguntas surgem, inevitavelmente:

 

Se o material concluído está mesmo em poder das empresas piloto e de “entidades”, por que ainda não foi publicado?

 

Está correto distribuir esse material apenas para alguns selecionados por critérios não amparados pela legalidade?

 

Talvez faltem assinaturas, é o que parece, e se essa for a causa, por que não o publica em forma de minuta evitando que empresas privadas que eventualmente se relacionem com algumas “entidades” envolvidas no projeto possam, de alguma maneira, ter acesso privilegiado a esse material?

 

Ou seja, considerando essa suposta retenção, quais as garantias tomadas pelos gestores do eSocial para evitar que este material esteja em poder de empresas de software do setor privado que, assim sendo, estariam tomando vantagem que pode ser classificada como ilícita diante das demais empresas que atuam no mercado concorrencial?

 

Por que a nota publicada no portal oficial não cita uma previsão de data para publicação da resolução que tratar sobre o cronograma e o manual, e não informa sobre a situação real do MOS?

 

Como se explica este silêncio? Do que estamos tratando afinal?  De um projeto público ou algum sistema desenvolvido por uma empresa privada que prefere esconder o que de fato está ocorrendo para não dar informações aos concorrentes?

 

Alguns podem até pensar que essa situação já seja um “caso de polícia”; prefiro entender que é um caso a ser analisado pelo  Ministério Público Federal (MPF), porque para um projeto que se diz do GOVERNO FEDERAL, o que se espera é o zelo total pela TRANSPARÊNCIA com a INFORMAÇÃO QUE SEJA DE INTERESSE PÚBLICO, e o ESOCIAL parece mais um caso de esquema com fortes indícios de favorecimento ilícito a determinados setores da iniciativa privada, que precisam ser devidamente identificados e investigados; acredito que deve ser feita uma apuração rigorosa dos procedimentos adotados pelos gestores do projeto, lembrando que são servidores públicos, sujeitos ao Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal:

 

 

DECRETO Nº 1.171 - DE 22 DE JUNHO DE 1994 - DOU DE 23/06/1994

 

SEÇÃO III -

 

DAS VEDAÇÕES AO SERVIDOR PÚBLICO

 

[...]

 

XV - É vedado ao servidor público:

 

[...]

 

m) fazer uso de informações privilegiadas obtidas no âmbito interno de seu serviço, em benefício próprio, de parentes, de amigos ou de terceiros;

 

E caso sejam confirmadas as irregularidades, o que se espera por uma sociedade civil que se baseia no estado de direito é o molde da lei, sobre os gestores e agentes privados e certamente deste caso, se derivam outras questões que parecem obscuras no mundo do Sped e por tabela, devem ser analisadas no eSocial:

 

Quais são os fundamentos legais para a concessão de acesso a informações do piloto do eSocial?

 

Os credenciamentos das empresas e entidades participantes são publicados? Onde? E o Diário Oficial da União  (DOU)? Se não foram para o DOU, por que?

 

Quem poderá garantir ao mercado livre e competitivo que não há tráfico de influência visando favorecimento ilícito a setores privados nos bastidores do projeto eSocial?

 

A CAIXA preta do eSocial precisa ser aberta? Apenas para ilustrar o que acontece nesse projeto, em mais uma reunião no último dia 4 deste mês, até o momento, não há qualquer nota oficial a respeito do que foi tratado.

 

Nesta matéria, especificamente, se trata de algo mais ligado a FENACON e ao CFC, e pelo visto não houve presença de servidores públicos do Projeto, porém, se observarmos o histórico de reuniões, NÃO HÁ QUALQUER INFORMAÇÃO OFICIAL sobre os demais encontros nos GTs, que tiveram a PARTICIPAÇÃO PRESENCIAL DOS SENHORES COORDENADORES DO E-SOCIAL.

 

Sobre a reunião de 04/12/2014: Matéria identificada em busca do Google

http://www.wk.com.br/Noticias/reuniao-do-gt-do-esocial-no-sesconsp%5B19172%5D.aspx

 

http://www.wk.com.br/Noticias/reuniao-do-gt-do-esocial-no-sesconsp%5B19172%5D.aspx

 

Todo o material informativo publicado pela internet em que pude  apurar, além de ter sido disponibilizado apenas em mídias não governamentais, ressalvando-se as honrosas exceções,  é normalmente superficial, sem qualquer dado técnico que sinalize melhor como está o andamento do projeto e essas reuniões parecem favorecer ilegalmente algumas empresas de software. Não se justifica quando temos tecnologia para abrir pela internet a transmissão dessas reuniões, possibilitando livre acesso a todas as empresas e profissionais interessados, e não apenas a um punhado injustamente favorecido.

 

Por que algumas empresas de software são convidadas, quando a questão envolve desenvolvedores de todo o país?

 

O curioso é que em nosso país, é possível acompanhar processos na justiça, projetos de lei no Congresso, sessões do Supremo Tribunal Federal, mas não é possível acompanharmos o desenrolar dos trabalhos dos senhores gestores do projeto eSocial, algo que vai tratar da vida laboral de TODOS os trabalhadores!

 

Reina na gestão do eSocial uma certa ética do segredo, sem o menor sentido, a não ser que se tenha outros interesses, alheios aos do projeto enquanto COISA PÚBLICA. Porém, cabe a ressalva de que dentro do próprio governo federal, há quem trabalhe pela transparência e participação mais ativa da sociedade e se há alguém que merece rasgados elogios é o ministro Guilherme Afif Domingos, que foi o grande crítico do projeto na esfera pública, logo quando tomou conhecimento e enquanto as entidades se reuniam com os gestores aplaudindo tudo sem analisar com profundidade, Afif não embarcou no discurso corporativista e promoveu, através da Secretaria da Micro e Pequena Empresa, uma Consulta Pública para aplicação nas pequenas e micro empresas, a qual pude participar, assim como qualquer cidadão interessado no assunto.

 

Afif Domingos não embarcou no discurso corporativista dos gestores do eSocial

 

 

 

 

http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=3&pagina=6&data=01/10/2014

 

Na Consulta Pública, ficaram expostas certas fragilidades do modelo e o quanto esse processo deveria ter sido implementado logo no início, antes mesmo  da formalização da versão 1.0.

 

O resultado da Consulta foi noticiado pelo próprio Afif Domingos e encaminhado pelo email marcelo.pacheco@planalto.gov.br aos participantes, dando um show de transparência diante do que os gestores costumam oferecer:

 

 

Relatório Final da Consulta Pública: http://www.llconsult.com.br/nll/2014/n1400300.pdf

 

Quanto a isso, se no Sped não se adotou a prática da Consulta Pública, a comunicação parece um pouco menos embaraçosa em relação  à política de divulgação dos trabalhos, onde se tem disponibilizado minutas de leiautes, inclusive com um email para o envio de problemas identificados pelos desenvolvedores e demais interessados, e tomo como exemplo o projeto da Escrituração Contábil Fiscal (ECF):

 

http://www1.receita.fazenda.gov.br/Sped/noticias/2014/novembro/noticia-28112014.htm

 

Atualmente, os vícios do Sped se concentram mais na falta de publicação das atas das reuniões e na ausência da apresentação e publicação formal de decisões importantes, como a apresentação de coordenadores e suas diretrizes operacionais, mas nada se compara ao desastroso tratamento por parte dos gestores do eSocial.

 

 

 

É PRECISO CORRIGIR AS FALHAS E APURAR AS SUPOSTAS IRREGULARIDADES, URGENTEMENTE

 

E diante de tantas dúvidas, a única certeza que tenho é que se tornou, até o momento, impossível fazer um planejamento sério envolvendo desenvolvimento e treinamentos para cumprir as demandas do eSocial, considerando a falta de informações precisas devido a transparência inadequada por parte dos gestores; não há um cronograma oficial e  um material técnico completo, onde se possa mensurar o problema, e essencialmente, a  credibilidade do projeto anda em baixa.

 

 

E da mesma forma que iniciei este artigo, o encerro afirmando que de nada adiantará a publicação do MOS amanhã, ou outro dia qualquer; não se trata mais de uma queixa pela pendência de uma publicação, que acredito se resolverá em breve, e sim na necessidade de se apurar procedimentos que devem ser evitados no âmbito da coisa pública e  que seja esclarecida de uma vez por todas, qual é a ética do projeto eSocial na concepção de seus gestores.

 

Por que?

 

Simples: Quando o MOS for publicado, se iniciará uma odisséia em busca da convergência dos mais diversos sistemas ao modelo de escrituração, e nessa caminhada árdua, envolvendo empresas de software, contabilistas, consultores, palestrantes e professores, serão inúmeras as questões que surgirão, principalmente entre programadores, analistas de sistemas e gestores em geral, e se a gestão da comunicação do eSocial continuar sendo conduzida pela forma com que venho observando, o projeto em si, simplesmente ficará inviável, e assistiremos a mais um fracasso; em suma, é preciso corrigir as falhas urgentemente e apurar as possíveis irregularidades mediante os indícios de favorecimento ilícitos.

 

O tema da comunicação normalmente é abordado sob a perspectiva do relacionamento entre empregadores e profissionais encarregados pela escrituração trabalhista-previdenciária (em geral, contadores), e até os gestores do eSocial costumam tratar dessa questão em suas palestras de conscientização. Infelizmente, tudo não tem passado de discurso vazio, pois os mesmos gestores não conseguem dar bons exemplos de comunicação.

 

E como dizia o “velho guerreiro”, quem não se comunica, se trumbica.

 

 

Vitória de Santo Antão, 25 de dezembro de 2014.