Muito se tem falado sobre a simplicidade, a facilidade e a celeridade que supostamente serão proporcionadas pelo sistema E-SOCIAL, quando comparado ao atual cenário de obrigações acessórias.
Hoje
são entregues, mensalmente, a GFIP (SEFIP), o CAGED (ACI), anualmente, a RAIS
(GDRAIS) e a DIRF (PGDIRF), quando solicitado pela fiscalização, o MANAD, e na
ocorrência do desligamento imotivado do trabalhador, o formulário do
Seguro-Desemprego (SD WEB), cada qual com o seu devido leiaute de importação ou
validação de dados, em bases destinatárias distintas e sem os níveis de
detalhamentos previstos no E-SOCIAL. É
um cenário que exige o uso de software bem estruturado para gerar arquivos
compatíveis com toda essa parafernália de formatos e regras nas mais distintas plataformas, e neste ponto,
os sistemas se tornam ferramentas de simplificação de processos.
Pois
bem, o modelo do E-SOCIAL, tão aparentemente apoiado pela indústria de software
ligada a folha de pagamento, gestão de pessoal, escrita fiscal e recursos humanos, será uma grande
revolução. Adotei o termo “revolução”
porque soa muito bem aos marqueteiros, mas me parece que não será realmente um
grande negócio para o setor privado de software, se analisarmos friamente
certos detalhes que regem o projeto.
É bom
frisar que as informações que serão analisadas neste artigo, foram extraídas de
um material constante no site oficial do projeto: www.esocial.gov.br, entitulado “Conferência
eSocial”, no endereço http://www.esocial.gov.br/doc/ApresentacaoPadraoeSocial.pdf,
com exceção da volume tipológica do fisco, que foi apresentado pelo Sr. Daniel
Belmiro Fontes coordenador de Sistemas da Atividade Fiscal da Receita
Federal, em fevereiro deste ano (http://pt.slideshare.net/TaniaGurgel/esocial-apresentao-da-receita-federal-em-25022014-projeto-esocial).
O que
é o MÓDULO WEB do E-SOCIAL? Um sistema que vai atuar na forma completa, para
contingência, quando o serviço de WEBSERVICE estiver indisponível, assim como
para complementar informação que não consta nos sistemas informatizados (dos
empregadores/escritórios contábeis).
Também será o meio de apresentação dos dados para os pequenos empregadores, que são os domésticos, os segurados especiais, os pequenos produtores rurais, os optantes pelo Simples e os microempreendedores individuais.
O MÓDULO WEB terá as seguintes
funcionalidades:
E com as seguintes facilidades de acesso:
A apresentação oficial do
projeto não me deixa dúvida de que o grande concorrente das empresas de
software contábil será o próprio E–SOCIAL. Por que?
Vamos a um dado da Receita
Federal do Brasil:
Fonte: Apresentação de Daniel Belmiro Fontes, na
ANFIP (Fevereiro de 2014)
ou
Na volumetria tipológica do
fisco, temos 87,33% dos empregadores, que supostamente serão beneficiados
com os serviços simplificados do portal. Sobrarão cerca de 12,67% que
obrigatoriamente estarão no modo WEBSERVICE, isso contabilizando as obras de
construção civil pessoa jurídica,
muitas das quais são de empresas no SIMPLES e que certamente estarão no
outro lado desta divisão.
Em que o E-SOCIAL poderá resultar? No achatamento do mercado
de 100% para até 12,67%. Estimo que dos 87,33% dos supostamente contemplados no
portal, no mínimo, 1/3 estará deixando o mercado de software para se adaptar
diretamente com a solução do governo.
Junte
agora as funcionalidades do portal e as compare com um outro fenômeno de
invasão mercadológica: O sistema gratuito de NF-e. É limitado, não deve ser
usado como ferramenta de gestão, não é mesmo? Porém, mesmo assim é amplamente
adotado. Sem dúvida, o emissor gratuito tirou milhões de clientes das empresas
de software no Brasil. Agora vamos refletir um pouco mais sobre o E-SOCIAL WEB:
1.
Os dados estarão
hospedados no Ambiente Nacional, se tratando então de um sistema cloud computing, gratuito;
2.
O acesso será facilitado
em relação ao uso de certificado digital padrão ICP-Brasil;
3.
Terá muitas
funcionalidades atualmente disponibilizadas nos sistemas de folha de pagamento
existentes no mercado;
4.
Cumprirá em um único
canal, diversas obrigações acessórias que hoje, são atendidas pelas facilidades
de geração de arquivos dos sistemas privados;
5.
Mesmo que o cliente use
o modo WEBSERVICE, poderá usar o portal para complementar dados, ou quando o
sistema interno ficar indisponível.
Fica
claro que o projeto, na forma em que foi concebido, despreza as empresas de
software e entra no mercado, certamente, com poder de provocar muito desemprego
e migração de profissionais que atuam no setor para a área de consultoria ou
até mesmo outros setores tecnológicos, onde temo que não haverá vagas para
todos.
Outro ponto que abalará muitas
estruturas consagradas no mercado será o da portabilidade de dados com o
E-SOCIAL.
Como funciona hoje o processo
de troca de sistema? Normalmente é lento, delicado, complexo e sofrível. Não há
garantia de 100% dos dados migrados, ficando sempre essa problemática aos
critérios de quem vai receber o cliente e muitas vezes, não se tem documentação
técnica suficiente (leiautes) do sistema a ser substituído, para que a migração
de bases seja bem sucedida.
Com o eSocialBX, bastará
baixar os dados em XML e, seguindo o padrão dos leiautes oficiais, importar
tudo para a base de dados do novo sistema, ou seja, se no projeto E-SOCIAL, for
cumprido o que está teorizado, será célere a troca de sistemas.
É um outro ponto é a troca de contador. Como acontece atualmente? O contador que vai receber cliente, nem sempre usa o mesmo sistema, e o processo de migração de dados segue nos problemas relatados na migração de troca de sistemas. Pois bem, com o modelo do E-SOCIAL, os dados para a continuidade das prestações de informações estarão disponíveis na “nuvem governamental”, dispensando muitas solicitações ao antigo contador. Tudo estará registrado no E-SOCIAL e acessível, podendo até mesmo o novo contador usar emergencialmente o portal ou, em se tratando de ter a clientela no perfil dos pequenos empregadores, dispensar o software de folha de pagamento.
E por
falar em folha de pagamento, o documento (digital) que terá validade jurídica
será o do E-SOCIAL, e não mais a folha de pagamento interna, emitida pelos
sistemas, outro ponto, que torna os sistemas de DP e Fiscal, meros geradores de
XML.
Em
suma, o padrão E-SOCIAL colocará todos os que estiverem em conformidade, na
mesma “batina” tecnológica.
EXIGÊNCIA DE EQUIPE DE SUPORTE MULTIDISCIPLINAR
E o
suporte aos sistemas, como funciona hoje normalmente? A ênfase está no sistema
eleito pelo usuário. Como cadastrar um empregado, fazer um lançamento, e coisas
do tipo. Quando há uma questão mais técnica, ligada à legislação, a coisa muda
um pouco de figura. O suporte normalmente se limita a prestar assistência ao
software contratado e quando surgem problemas com os aplicativos oficiais, se
chega ao limite do atendimento. É famoso, “consulte o manual do sistema do
governo”.
Com o E-SOCIAL e o seu modo analítico de escrituração, onde as bases dos sistemas deverão estar em convergência com a plataforma oficial, está com ao dias contados este tipo de suporte, baseado na cultura do escapismo, com atendentes tecnicamente limitados em termos de conhecimentos em normas e tributação.
O
suporte deverá ter colaboradores bem mais qualificados, com características
multidisciplinares, para que seja bem sucedido. Nada de escapar de perguntar
técnicas da área trabalhista ou tributária, e até de segurança e medicina do
trabalho. O analista terá que ser um pouco mais holístico.
Certa
vez, participei de um processo seletivo
como avaliador de propostas de sistemas. Uma determinada empresa de software
fez uma apresentação muito bem executada, cheia de efeitos especiais, e no
final, o palestrante fez questão de citar as dezenas de milhares de clientes
que usam suas soluções de folha de pagamento.
Como
avaliador, guardei aquelas informações para o momento da entrevista e perguntei
ao nobre vendedor palestrante, a quantidade de atendentes na equipe de suporte.
Peguei então a quantidade de clientes, fiz a divisão pelo número de atendentes
em turnos determinados, e cheguei a 250 clientes por analista de suporte. Um
número expressivo e comprometedor, ao meu ver.
O vendedor ficou tenso e não concordou com os meus argumentos de que a empresa em que ele trabalha, tem fortes indícios de incapacidade de atendimento eficiente, o que foi confirmado em contatos feitos a clientes usuários do sistema avaliado, e que não foram citados pela empresa de software candidata. O que pesou mesmo foi a taxa altíssima de clientes por atendente. Não teve êxito, apesar da linda apresentação.
Lembro-me que o vendedor contra argumentou que nem todos os clientes ligam ao mesmo tempo, o que é verdade, mas vamos considerar 26 dias úteis, no mês e apenas uma ligação de um cliente por período (convenhamos, há clientes que ligam ou acionam meios de suporte bem mais do que isso), e então o número chega a, no mínimo, 10 atendimentos por dia para um colaborador, o que já é algo comprometedor em se tratando de suporte técnico que terá que se relacionar com problemas dos mais variados. E quando as demandas de suporte se acumulam? O que fazer? Como será na “era E-SOCIAL”?
Com o
E-SOCIAL, esse cenário vai se multiplicar em termos de demandas imediatas,
devido às questões bem mais complexas, pois agora o fisco não quer mais saber
de bases de cálculos e sim das origens das bases, ou seja, os detalhes mais
cirúrgicos possíveis, o que vai gerar muito mais suporte e estou certo de que
empresas de software que operam com dezenas de milhares de usuários, sofrerão
bastante para dar conta de seus clientes e ainda estarão sob a pressão do maior
concorrente que surgiu até então: o próprio governo, com o seu sistema gratuito
no portal.
É coisa para super-homem
resistir!
SUA EMPRESA DE SOFTWARE ESTÁ
PREPARADA?
O E-SOCIAL vai ser mesmo uma revolução, não no sentido comercial dos marqueteiros das empresas de software, e sim porque será uma prova de fogo, ao suporte e à concorrência não mais apenas mais entre as empresas do setor, mas diante do próprio sistema oficial, como não deixo de frisar neste artigo: É algo invasivo, que pode prejudicar seriamente o mercado, abalando principalmente as estruturas de grifes acostumadas com maiores metas de vendas e o suporte limitado, prestado muitas vezes com a garantia de que o usuário tem medo de trocar de sistema, justamente diante de um novo paradigma onde trocar de software será como trocar de operadora de celular, levando o número, inclusive.
Poderia ser diferente? Sim. Mas o Sped foi pensado para ser invasivo, e o E-SOCIAL não será diferente. Até o Sped Contábil, que era fechado na validação, agora permite criação e edição de escriturações, a partir da terceira geração O mesmo acontece no Sped Contribuições, e enfim, o mercado de software terá que aprender a sobreviver nesta concorrência implacável.
O problema está no modelo de implementação, que não se aliou totalmente ao mercado de software, pois a cultura política do governo atual é de interferência em tudo, e nesse segmento, não poderia acontecer outra coisa.
É
algo para reflexão: O problema está na filosofia política do Sped.
Contudo,
o E-SOCIAL será benéfico em muitos pontos porque vai expor positivamente quem
trabalha com atendimento mais pleno, com ênfase na qualidade, e vai punir
cruelmente os que apostam na quantidade sobre a qualidade. Isso é valido tanto
para empresas de software, como para escritórios contábeis, pois há empresários
que pensam em hospedar um departamento pessoal na própria empresa, mesmo
estando no Simples, e com o E-SOCIAL, isso também será muito mais fácil de se
fazer, porque os dados estarão disponíveis, acessíveis, e nem de sistema de
folha será necessário, sendo apenas um luxo. O contador acomodado que se cuide.
Outro
ponto é que será fortalecido, ainda mais, o setor de treinamentos e um outro
aspecto ainda mais atraente no projeto e que vem ganhando força já nesses dias
de palestras de conscientização: o de consultoria.
E
então, parafraseando o dito da moda, pergunto ao nobre leitor: eSocial, você
e sua empresa de software estão preparados?
O abalo
será inevitável. Dos pequenos aos gigantes...
Vitória de Santo Antão (PE), 24 de novembro de
2014.