Gente
qualificada: É a exigência básica do ambiente eSocial
O atual modelo de escrituração do eSocial deverá impor um perfil bem mais técnico sobre os recursos humanos alocados no setor pessoal, devido ao detalhamento de informações de natureza tributária demandadas pelo novo sistema.
Os responsáveis pelo processamento das folhas de pagamento deverão ter cuidado redobrado, não somente nos parâmetros do cadastro de empregadores (classificação tributária), como também nas chamadas rubricas da folha de pagamento.
No cadastro de empregadores, o
nível analítico do eSocial em relação ao que se exige atualmente na GFIP, por
exemplo, colocará os usuários diante de questões de tributação sobre o
empregador , em casos especiais no Simples Nacional, a aplicação correta da
Desoneração da Folha de Pagamento, e outras situações, que, diga-se de
passagem, geram duvidas constantemente em nossos dias.
E nas rubricas, que são as
contas para totalização e classificação dos lançamentos da folha, também deve
ser feita a parametrização detalhada sobre as incidências:
Um dos pontos críticos envolve o
conhecimento sobre a natureza da
rubrica, suas repercussões para a bases de férias, 13o e rescisões,
tendo em vista que a sistemática de coleta do eSocial permite a criação de um
histórico de remunerações variáveis com indicação de incidência tributária,
tudo com base na informação da natureza, que venha posteriormente a ser
utilizada por fiscalizações para questionar eventuais folhas de 13o
e bases em rescisões de contratos, assim como em lançamentos de rubricas
indicando a natureza de férias gozadas na folha de pagamento.
Uma situação bem corriqueira
está em empregadores que costumam calcular verbas rescisórias ou o décimo
terceiro salário apenas com base no salário contratual, sem considerar os
rendimentos com repercussão, e serão certamente surpreendidos por notificações
fiscais.
O risco será ainda mais elevado
quando se permitir que a escrituração digital trabalhista fique nas mãos de
quem não sabe exatamente o que está repassando ao Ambiente Nacional. Um histórico
comprometedor diante do fisco deve ser considerado porque o eSocial impõe uma
confissão de fatos geradores, exatamente como ocorre hoje na GFIP. A diferença
é que na GFIP são informadas apenas as bases de calculo e no eSocial, será
informada toda a memória de cálculo das bases no cruzamento entre o evento
S-1200 (remuneração do trabalhador) e S-2800 (desligamento) e a tabela de
rubricas S-1010.
Logo, o simples ato de informar
horas extras, gratificações e adicionais sem a indicação correta da incidência,
por exemplo, poderá se traduzir em um erro comprometedor no ambiente eSocial.
Outro exemplo está no pagamento
de ajuda de custo sem a devida classificação da natureza e a verificação do
limite legal, pois a auditoria eletrônica da Receita Federal poderá comparar o
salário com o provento sem incidência e havendo contrariedade diante da norma,
a falha será rapidamente identificada e questionada.
Boa parte dessa parametrização
será facilitada pelos sistemas de folha de pagamento, entretanto, sabemos que
há situações corriqueiras em que o usuário precisa criar eventos para
lançamentos manuais, o que implica na criação de rubricas e na definição de
incidências. Deverá então saber se incide ao INSS, FGTS, IR e Contribuição
Sindical, o que implica em saber também os fundamentos legais, até para saber
explicar seja diante de uma dúvida de um empregador ou de um trabalhador ou ao
ente fiscal que venha porventura a questionar algum procedimento com base no
que foi informado no eSocial. Estas coisas ocorrem nos nossos dias, mas ficam
encobertas diante do fisco, pois a GFIP
é limitada para explicar certas situações, mas no modelo pensado no
eSocial, ficará tudo exposto.
Detalhes sobre desoneração da
folha de pagamento, casos específicos sobre o Simples Nacional, e a ainda não
tão bem conhecida aplicação do FAP, também são questões que sempre desafiam os
gestores em DP.
Por isso defendo que o
responsável pela folha de pagamento tem que ter um perfil de conhecimentos
tributários que sejam depurados sobre atos infralegais, convenções coletivas, o
Regulamento do Imposto sobre a Renda (RIR), o Regulamento do FGTS (RFGTS), e o
Regulamento Geral da Previdência Social (RGPS), e até mesmo a jurisprudência do
TST, ou do STJ, assim como a do STF.
Soma-se a isto o conhecimento
sobre as normas de segurança e saúde do trabalho, sem esquecer que as
tradicionais práticas do DP devem ser revisadas. É um aprimoramento que deve
ser constante, não apenas por causa do eSocial.
Então,
é essencialmente uma questão de ter gente muito bem qualificada, e imagino
alguns caminhos para se obter um equilíbrio razoável nesta tentativa de
convivência:
1. O mais
rápido, e por isso bem oneroso seria o de contratar profissionais prontos no
mercado de trabalho, algo muito complicado devido à escassez;
2. Menos
oneroso e não tão menos arriscado, é o de investir na qualificação dos atuais
recursos humanos, todavia, sabemos que qualificar pessoas dentro de uma empresa
contábil não é garantia plena de permanência, e que um trabalhador beneficiado
por cursos oferecidos pelo empregador, possa eventualmente considerar a
competitividade do mercado, e aceitar uma proposta salarial melhor,
contrariando planos do escritório que o preparou. Isto acontece quando um escritório
de maior porte, simplesmente pelo poder econômico, convence o colaborador a
aceitar a proposta, sendo esta uma das maiores queixas de empresários de
contabilidade que costumo ouvir;
3. Contratar
assessorias especializadas que possam desenvolver um papel proativo, ou seja,
na prevenção aos possíveis processos que provocam passivos de geração de
processos fiscais. Solução que pode ser combinada com as anteriores;
Não me parece ser algo seguro confiar
apenas nas amarrações de sistemas internos ou nas supostas facilidades do
portal, que ainda não passam de promessas, esperando que seja tão prático que
“qualquer um” poderá preencher e analisar o que está sendo entregue ao
consórcio fiscal; é um ato, na minha opinião,
que beira o suicídio fiscal em um mundo onde os negócios contábeis estão
cada vez mais desafiados pela escrituração digital em nível analítico, seja em
que área for, onde os erros, por menores que sejam, podem resultar em punições
desproporcionais, absurdamente injustas.
Juntando a isso o fato de que
treinamentos em normas e processos podem ser até mesmo uma estratégia para
reduzir suporte de sistemas ERP porque muitas dúvidas surgem por dificuldades
na compreensão das normas e não na operação do software. Basta observar que
muitas perguntas sobre o eSocial são derivadas de questões envolvendo a
legislação e neste aspecto, é preciso ter a consciência de que os sistemas de
gestão continuarão sendo APENAS uma das ferramentas na escrituração digital e não
poderão assumir funções que cabem às decisões de colaboradores capacitados (a
principal ferramenta!) e assim, não vejo um bom futuro apostar em uma equipe
que não tenha experts na escrituração dos objetos e não apenas nos meios
tecnológicos de registro.
Capital humano e recursos
tecnológicos representam uma combinação complexa e os escritórios de
contabilidade precisam avaliar estas questões com serenidade, aplicando
critérios rigorosos para não serem pegos de surpresa. É algo a ser meditado,
analisado e que demanda decisões em planejamento estratégico.
Você
está preparado?
Será que simplesmente seguir o
mote do “prepare-se para o eSocial” resolve? Para alguns resolverá. Para tantos
outros, será um sério entrave. Talvez o despreparo da maioria não tenha a menor
importância para entusiastas que vibram com coisas tão sofisticadas. Talvez
usem o tal orgulho com os avanços na escrituração pública digital.
Só que são necessárias aspas
para este orgulho e outras tantas para os avanços...
Você está preparado? Eu prefiro
um outro: O eSocial é exeqüível no país? Entenda-se “país”, todos os ambientes
empregatícios, desde os mais bem organizados e adaptados ao Sped, até aqueles
onde “as ruas não têm nome”. Entenda-se “exequível” a possibilidade de ser
executado em condições mínimas de acesso a orientações tributárias, onde o
estado está presente pedagogicamente com as ações do fisco e onde há pleno
acesso a treinamentos customizados.
Estou pensando em um Brasil de
“ponta a ponta”, desde os nichos de primeiro mundo, repleto de técnicos
altamente capacitados, bem versados em escrituração digital, até o Brasil que
“desce a ladeira”, e que se traduz em rincões onde o operador de sistema de
folha não tem acesso a uma orientação fiscal mínima que lhe coloque em condições
de atender tanta sofisticação.
É bom lembrar aos nobres
burocratas do eSocial que este Brasil precário, humilde, e determinado também
vai bater na porta do eSocial, querendo entrar na festa... Será bem vindo?
Estará vestido apropriadamente? Esforços não faltarão, mas dificilmente seus
heróis estarão em “conformidade” e serão bem vistos pela nobreza digital.
E enquanto cada um olhar apenas
para o seu umbigo achando que se funciona no seu mundinho particular cheio das
maravilhas tecnológicas, o resto que se exploda, viveremos um drama digital;
não é assim mesmo que a banda toca com o Sped?
A diferença fundamental entre os
que criticam duramente o eSocial por conta destes gargalhos estruturais e os
que se renderam ao #vaiteresocial é que muitos críticos olham para o Brasil,
enquanto que os empolgados olham apenas para seus propósitos, certos de que o
rei os abençoa no alto da torre.
Pensem meus caros entusiastas;
talvez uma visão mais holística os ajude a compreender certas coisas... Coisas
que a formação acadêmica tão tecnocrata, fria e sem alma não pode oferecer.
O Brasil desce a ladeira e não é
só a “Avenida Paulista” ronronando com burocratas digitais carregando
brochinhos de consultorias, empolgados
com a compliance.
É na descida da ladeira que este
eSocial vai passar pelo fogo.
Aguardem!
Vitória
de Santo Antão (PE), 2 de setembro de 2014.
Leonardo Amorim